Para onde vão as dores do nosso coração?
- Girlande Oliveira
- 19 de jun.
- 4 min de leitura
Há dores que não sabemos nomear. Elas chegam de mansinho, como um suspiro que não termina. Ou com força, como uma onda que arrasta tudo. E quando nos perguntam o que houve, a gente só consegue dizer: não sei, só sei que dói. Mas onde, exatamente? O coração. Ele que pulsa, que guarda, que sente. Ele que carrega memórias, histórias, ausências e esperanças.
Mas para onde vão essas dores todas que o coração sente?
Algumas ficam. Moram ali por anos. Se acomodam em um canto silencioso e, vez ou outra, pedem atenção. Outras, a gente empurra pra longe. Finge que não estão. Enterra com compromissos, distrações, rotina. Só que elas não somem. Elas esperam. Esperam um momento de silêncio, uma pausa, um cansaço maior para emergir de novo.
Há dores que a gente compartilha. Conta para alguém, escreve, chora. Essas, mesmo que não desapareçam, se tornam mais leves. Porque ao serem acolhidas por outro coração, encontram espaço para se transformar.
Mas há dores que ninguém vê. Dores que a gente sente vergonha de sentir. Medo de parecer frágil, exagerada, sensível demais. Essas, muitas vezes, viram armadura. Nos fazem parecer mais fortes do que somos. Mas dentro, continuam lá. Pedindo para serem ouvidas.
É preciso coragem para olhar para a dor. Para parar de fugir dela. Porque a dor do coração não quer nos destruir. Ela quer nos mostrar algo. Um limite que foi ultrapassado. Um amor que não foi visto. Uma ausência que ainda grita. Uma parte de nós que foi silenciada por tanto tempo que já não sabemos mais escutar.
E não existe fórmula única para curar essas dores. Mas existe um caminho. E esse caminho começa com presença. Com a disposição de estar consigo mesma, mesmo quando dói. Com a escolha de parar de se abandonar toda vez que algo aperta por dentro.
Muitas dores nascem da solidão. Não da solidão de estar só, mas da solidão de não se sentir compreendida. De não se sentir acolhida nem por si mesma. Por isso, o primeiro passo para cuidar da dor é se tornar boa companhia para si. Ficar ao lado de si mesma como quem diz: eu vejo você, mesmo quando está difícil.
É nesse ponto que o processo de cura começa. Quando a dor deixa de ser inimiga e passa a ser uma mensageira. Ela nos diz o que precisa ser olhado. O que foi ignorado por tempo demais. O que precisa ser cuidado com mais gentileza.
Tem dores que vieram da infância. Palavras duras, gestos de rejeição, ausências que deixaram marcas. E a gente cresce achando que superou, mas no fundo, aquilo ainda vive ali. Basta uma situação parecida para despertar tudo de novo. E se a gente não sabe de onde vem, repete o ciclo. Se fecha, se afasta, se defende. A dor antiga vira comportamento presente.
Por isso, não é exagero dizer que as dores do nosso coração moldam nosso jeito de viver. Moldam como amamos, como confiamos, como nos colocamos no mundo. Se não olhamos para elas, acabamos nos protegendo da vida, ao invés de vivê-la plenamente.
Mas existe uma força imensa em quem escolhe escutar o que sente. Em quem decide dar nome às dores. Em quem se permite sentir, mesmo sem entender tudo. Porque nesse movimento, algo se abre. Um espaço de escuta, de acolhimento, de presença.
E quanto mais a gente aprende a se escutar, mais vamos percebendo que a dor não é algo a ser eliminado. Mas algo a ser atravessado. E, ao atravessar, encontramos partes de nós que estavam perdidas. Ressignificamos memórias. Criamos novos significados. A dor deixa de ser peso e vira ponte.
Sim, algumas dores vão continuar ali. Como cicatriz. Como lembrança. Mas não vão mais comandar a nossa vida. Não vão mais nos impedir de amar, de confiar, de sonhar. Porque a gente aprendeu a viver com elas. E isso é liberdade.
Às vezes, a dor se transforma em arte. Em escrita. Em dança. Em criação. Ela encontra uma saída criativa. E aí, deixa de ser só dor. Vira expressão. Vira comunicação. Vira cura.
Outras vezes, a dor precisa apenas ser sentida. Sem fazer nada. Sem tentar resolver. Só ficar ali. Respirar com ela. Permitir que exista. E deixar que, com o tempo, ela vá se transformando.
É importante lembrar que cada pessoa sente diferente. Cada coração tem seu tempo. Comparar a própria dor com a do outro é injusto. O que dói para mim pode não doer para você. E tudo bem. O que importa é validar o que se sente. Porque o corpo sabe. A alma sente. E o coração fala.
Quando ignoramos a dor por tempo demais, ela começa a se manifestar de outros jeitos. A ansiedade cresce. A tristeza aparece sem explicação. O corpo adoece. A raiva se acumula. Por isso, sentir é fundamental. Sentir não é fraqueza. É presença. É saúde emocional.
Cuidar da dor do coração não é algo que se faz de uma vez só. É um processo. Às vezes, ela volta. Mas cada vez que a gente a escuta, ela fica mais compreensível. Menos assustadora. Menos solitária.
E se você sente que não consegue fazer isso sozinha, tudo bem. Buscar ajuda é um ato de amor. Uma escuta terapêutica, uma conversa honesta, um livro que toca. Cada gesto conta. Cada passo importa.
Tem dias que tudo que você vai conseguir fazer é respirar fundo. E isso já é muito. Já é cuidado. Já é presença. Outros dias, você vai conseguir nomear o que sente, escrever, chorar, conversar. E aos poucos, o que parecia insuportável vai se tornando mais possível de ser carregado.
As dores do coração vão para onde damos espaço para elas. Elas se instalam onde encontram silêncio. Mas também podem se dissolver onde encontram acolhimento.
Elas não querem dominar. Só querem ser vistas.
E quando são vistas com amor, elas se transformam.
Com carinho,
Girlande Oliveira
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