RAIVA: A DEUSA QUE PEDE PARA SER OUVIDA
- Girlande Oliveira
- 12 de jul.
- 3 min de leitura
Por trás de toda raiva, há um grito antigo. Um grito por dignidade, por escuta, por presença. Não é raro que a raiva seja tratada como inimiga — algo a ser sufocado, ignorado ou canalizado apenas de forma explosiva. Mas... e se a raiva, na verdade, for uma guardiã? E se for uma parte esquecida de você mesma pedindo passagem?
A raiva surge quando nossos limites são ultrapassados, quando nossos desejos são silenciados, quando nossa verdade interior é desconsiderada. Ela é o alarme da alma. Uma força crua que chega sem filtro, mas que guarda, dentro de si, uma chave poderosa: o chamado à reconexão com aquilo que foi desvalorizado ou esquecido. A raiva mostra o lugar da ruptura. E, por isso, é um portal.
Muitas mulheres, especialmente aquelas que trilham caminhos de cuidado, espiritualidade ou maternagem, aprendem cedo a reprimir a raiva. Ela é vista como feia, como perigosa, como inapropriada. E então, em nome da "paz" ou da "luz", negamos uma parte legítima do nosso campo emocional. Nos treinam para a doçura, mas não para a inteireza.
Mas há uma verdade que não pode mais ser ignorada: a raiva não curada vira veneno. E a raiva escutada vira direção. Quando você se permite sentir a raiva com presença e consciência, sem se afogar nela, algo dentro de você desperta. É como um tambor que ressoa no ventre, lembrando que você tem uma força que o mundo tentou domesticar.
Raiva é fogo. E fogo pode destruir, mas também pode forjar.
Há uma sabedoria ancestral escondida na raiva. Ela é a deusa que você renegou — a que bate na porta quando o seu "não" foi engolido mais uma vez. A que grita quando você se acostumou com migalhas. A que se inflama quando você se esquece do seu valor. Essa deusa quer ser escutada. Ela não quer que você exploda, mas que você se lembre. Lembre do seu centro, do seu sim, do seu não, da sua soberania.
Ao longo da história, as figuras femininas que expressaram raiva foram temidas, silenciadas ou demonizadas. Mas o feminino completo é aquele que também conhece os seus vulcões internos — e sabe como dançar com eles. A raiva bem canalizada vira coragem, discernimento, posicionamento. Ela abre o peito, firma a coluna, sustenta a palavra.
Transmutar a raiva não é domesticá-la. É dar direção a esse fogo, para que ele aqueça sem destruir. É escolher, conscientemente, transformar o impulso bruto em presença, em palavra viva, em gesto consciente. Raiva transmutada vira bússola. Vira impulso criativo. Vira arte. Vira oração.
E por falar em oração, compartilho agora uma que pode te acompanhar nos dias em que o fogo quiser se manifestar dentro de você. Use-a como um ritual. Leia em voz alta. Acenda uma vela. Coloque as mãos sobre o útero. Respire profundamente. E escute...
ORAÇÃO PARA TRANSMUTAR A RAIVA EM PODER CRIATIVO
Eu chamo agora o fogo da minha alma, não para queimar o outro —
mas para iluminar aquilo em mim que precisa ser visto.
Eu acolho a minha raiva.
Não como inimiga, mas como mensageira.
Raiva, minha guardiã antiga,
o que você veio me mostrar?
Se é desrespeito, eu me posiciono.
Se é abandono, eu me acolho.
Se é silêncio, eu me escuto.
Hoje, eu decido:
meu poder não será mais reatividade.
Meu poder será presença.
Meu poder será palavra clara.
Meu poder será pausa antes do grito.
Que meu coração se aqueça,
mas não se queime.
Que minha força se expresse,
mas nunca se perca de mim.
Eu sou a senhora da minha energia.
Eu escolho amar com firmeza.
Eu escolho reagir com consciência.
Hoje, eu transbordo a raiva para dentro do meu altar.
E deixo que ela vire fogo de criação.
Assim é.
Assim está feito.
PARA LEVAR CONSIGO
Nem toda raiva é descontrole. Nem toda fúria é desmedida. Às vezes, é apenas a alma dizendo: "eu existo, me escuta". Que você possa se tornar sua própria alquimista. Que o fogo em você não se apague, mas ilumine. Que a sua força seja expressão da sua verdade — e não uma resposta automática ao mundo.
Você não está aqui para ser dócil. Você está aqui para ser inteira. E mulheres inteiras também se enfurecem. Também dizem basta. Também queimam. Mas queimam com propósito. Com consciência. Com amor próprio.
Seja bem-vinda à sua completude.
Com reverência ao seu fogo sagrado,
Girlande Oliveira
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